No primeiro dia de guerra a 22 grupos do narcotráfico no Equador, o presidente Daniel Noboa avisou: “Vamos considerar juízes e promotores que apoiarem os líderes identificados desses grupos terroristas também como parte do grupo terrorista”. Em entrevista à Rádio Canela, ele admitiu que o país vive um “momento muito duro”, prometeu “proteger os cidadãos” e anunciou a deportação de 1.500 presos estrangeiros, entre eles, peruanos, colombianos e venezuelanos. Um decreto de Conflito Armado Interno, firmado na véspera, concede às Forças Armadas a licença para “neutralizar” o narcotráfico.
Entre terça-feira (9/1) e quarta-feira (10), os militares executaram cinco “terroristas” e efetuaram 329 prisões. Do outro lado, marginais continuam a semear o terror: 14 pessoas morreram em ataques armados. Em cinco penitenciárias, 130 funcionários e agentes carcerários são mantidos reféns.
A explosão de violência em Guayaquil — onde três corpos foram encontrados carbonizados dentro de um carro, na madrugada de quarta-feira, e um estúdio de tevê foi invadido por encapuzados na véspera — e em outras cidades levou a Colômbia a militarizar a fronteira com o Equador. Controles foram intensificados no departamento de Nariño. O Peru mobilizou mais de 500 soldados, helicópteros e drones para fortalecer a divisa de 1,4 mil quilômetros, além de declarar estado de emergência na região.
Cerca de 24 horas depois de ter uma arma apontada para a cabeça e uma dinamite colocada no bolso, durante invasão de criminosos à emissora TC Televisión, o jornalista Jose Luis Calderon ainda tentava assimilar o pesadelo enfrentado na tarde de terça-feira. “O que estamos vivendo não tem precedentes. O governo não possui um plano claro para lidar com essa situação. Vivemos em estado de guerra, as Forças Armadas estão nas ruas e os cidadãos, retidos em suas casas”, desabafou ao Correio o apresentador, que ficou mais de 40 minutos em poder dos marginais. A insegurança conseguiu unir inimigos políticos. O ex-presidente Rafael Correa apoiou as medidas tomadas por Noboa. “Tenha o nosso apoio total e irrestrito. Por favor, não ceda”, pediu.
Também em Guayaquil, o engenheiro químico colombiano Pedro Enrique Yela, 51 anos, aguardava no hotel o momento de retornar a Cáli. “A cidade está com atividades mínimas. Ficamos o dia inteiro no hotel. A recomendação é não sair, a não ser que seja algo imprescindível”, disse à reportagem. “A terça-feira foi mais complicada, com drástica redução do transporte público. Nem os táxis rodaram. A sensação por aqui é de perplexidade e de incerteza. As ruas estão vazias.”
A comunidade internacional acompanha com preocupação a escalada da violência do narcotráfico no Equador. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, se disse “alarmado” e condenou “energicamente” os atos criminosos dos últimos dias. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, declarou que os Estados Unidos estão dispostos a trabalhar com o governo Noboa para “lidar com a violência”. “Estamos dispostos a tomar medidas concretas para melhorar nossa cooperação com o governo do Equador, à medida que começa a lidar com a violência”, afirmou. A União Europeia denunciou um “ataque direto” à democracia e afirmou estar “com o povo do Equador e suas instituições democráticas”.
Diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE), Arturo Moscoso admitiu ao Correio que o narcotráfico penetrou todos os níveis do Estado. “Por aqui, se tem falado de ‘narcogenerais’ e de juízes que favorecem os traficantes. A declaração de Noboa é uma ameaça a esses indivíduos corruptos. O presidente aproveitou o decreto de Conflito Armado Interno para sublinhar que essas pessoas também poderão ser alvos das Forças Armadas”, disse. Moscoso vê a deportação de presos como uma medida mais complicada. “Ela exige ver quais presos se encaixam nesse processo, os delitos que cometeram, como será o traslado até a Colômbia, se serão detidos no país vizinho. Não é algo fácil.”
Para o general Luis Bolívar Hernández Peñaherrera, ministro da Defesa do Equador entre 2021 e 2022, a decisão de punir como terroristas promotores e juízes envolvidos com o narcotráfico precisa passar por filtros legais. “Para punir essas pessoas, será preciso acionar o Código Penal para estabelecer as sanções face às diferentes acusações a serem imputadas pelo gabinete do procurador”, explicou ao Correio, por telefone. Ele entende que as medidas anunciadas por Noboa até o momento são corretas. “No momento em que houve a invasão à emissora TC Televisión, imediatamente o governo emitiu um decreto no qual identificava os grupos delinquentes como terroristas.”
Intervenção direta
Segundo Henández, o decreto firmado na terça-feira pelo chefe de Estado permitirá ao governo utilizar as Forças Armadas em intervenções diretas contra a delinquência. “Isso deixa o governo e as Forças Armadas com um instrumento legal, que lhes possibilita tomar ações e acompanhar o trabalho da polícia de maneira mais direta”, observou. O ex-ministro defende uma “profunda reforma” no sistema político equatoriano e a necessidade de fortalecimento das instituições equatorianas. Ele sublinha que o Judiciário e a polícia foram infiltrados pelo narcotráfico, com casos menores nas Forças Armadas. “Temos infiltrações em governos locais e em estratos políticos. O sistema precisa blindar, em sua estrutura, a influência do narcotráfico”, comentou. Em nível tático, o general cita a falta de equipamentos da polícia e das Forças Armadas como obstáculos.
Apesar de ressaltar que o estado de emergência não pode exceder dois meses, Hernández admitiu que a Constituição pode sofrer mudanças, no sentido de fazer com que as Forças Armadas atuem, de forma complementar, com a polícia. Ele prevê que a situação no país tende a melhorar. “Os níveis de insegurança são vistos em alguns setores de algumas cidades.”
Secretário de Segurança Pública do Equador em 2023, durante o governo de Guillermo Lasso, Wagner Bravo concorda com a urgência no reforço das instituições. Ele acusou a gestão de Rafael Correa de “desinstitucionalizar” o Estado. “O crime organizado se enraizou em todas as esferas da sociedade, como a política, a militar, a judicial e o Ministério Público.”
“A contrapartida de Noboa foi identificar políticos, policiais, promotores e juízes envolvidos com facções e colocá-los à vista do público. Se ficar provado que têm nexo com o crime organizado, eles têm que ir para a cadeia”, ressaltou Bravo.