A execução do Orçamento de 2024 deve ser um teste de fogo para a articulação política do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vai depender do Congresso Nacional para aprovar créditos essenciais para destravar despesas com o Bolsa Família e a Previdência Social. O desafio se soma à necessidade de obter apoio dos congressistas para avançar no amplo pacote de receitas extras elaborado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Ao todo, o governo precisará do Legislativo para avalizar até R$ 318 bilhões contabilizados na peça orçamentária, entre fontes de arrecadação e créditos suplementares para atender o novo arcabouço fiscal ou a chamada regra de ouro do Orçamento —que impede a emissão de dívida para bancar despesas correntes, como os benefícios previdenciários.
PODER DO CONGRESSO – Técnicos do governo admitem que a elevada dependência dessas autorizações especiais dará ao Congresso um enorme poder de barganha nas articulações.
Entre 2019 e 2021, o Executivo precisou recorrer ao crédito da regra de ouro para liberar gastos financiados diretamente com títulos da dívida. Para isso, enfrentou duras negociações envolvendo pedidos de emendas e verbas.
O atual governo já tem tido dificuldade para consolidar uma base de apoio no Legislativo. Na tentativa de minimizar esse problema, o presidente Lula negocia o embarque oficial de PP e Republicanos, siglas do centrão, no primeiro escalão do governo. Ainda assim, a aprovação das “fatias do Orçamento”, como os créditos vêm sendo chamados nos bastidores, não deve ser uma tarefa fácil, segundo avaliação de membros da equipe econômica e de técnicos experientes do Congresso.
ESTRATÉGIA DO GOVERNO – Por outro lado, o governo estrategicamente condicionou despesas que são difíceis de o Congresso inviabilizar, como são os casos dos benefícios do Bolsa Família e do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Obstruir os pagamentos dessas transferências por interesses políticos teria repercussão negativa para os congressistas.
Além das receitas extras, o Executivo precisa aprovar pelo menos dois créditos suplementares em 2024. Um deles trata das despesas condicionadas do novo arcabouço fiscal, no valor de R$ 32,4 bilhões. Esse é o espaço que o governo prevê ganhar com a regra que permite incorporar ao limite de despesas a aceleração da inflação até o fim deste ano.
O Orçamento foi fechado com uma correção de 3,16% (inflação de 12 meses até junho) mais a variação real de 1,7% (70% da alta das receitas, conforme previsto no novo arcabouço). Mas a previsão atual do governo é que o índice de preços acelere a 4,85% até o fim de 2023. A diferença de 1,69 ponto percentual, se confirmada, cria espaço para os gastos extras.
NO ORÇAMENTO – O projeto de lei para abrir oficialmente os créditos em favor das ações só poderá ser enviado no ano que vem, mas o governo Lula já incluiu o valor na proposta de Orçamento apresentada na última quinta-feira (31).
“Em grandes números, chegamos ao seguinte cenário: dos R$ 32 bilhões, R$ 21 bilhões foram condicionados no Bolsa [Família] e R$ 11 bilhões nas demais discricionárias, naquele subconjunto de R$ 55 bilhões [que incluem ações de custeio da máquina pública]”, disse o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, na entrevista coletiva para detalhar os números da proposta na semana passada.
No caso do Bolsa Família, uma fatia de 12,5% do orçamento do programa ficou condicionada ao aval do Congresso. Já nas discricionárias, a parcela corresponde a 20%. Um segundo crédito, de valor ainda mais significativo (R$ 200,3 bilhões), precisará da aprovação dos congressistas para evitar o descumprimento da regra que proíbe o governo de usar recursos de empréstimos, obtidos via emissão de títulos públicos, para custear suas despesas correntes.