O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta segunda-feira (28/08) Medida Provisória (MP) para taxar os chamados fundos exclusivos.
Também conhecidos como "fundos dos super-ricos", eles exigem investimento mínimo de R$ 10 milhões e têm um custo de manutenção anual que pode chegar a R$ 150 mil, segundo assessores de investimento consultados pela BBC News Brasil.
Com a medida, o governo espera conseguir R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026, parte de um esforço de aumento da arrecadação, na tentativa de zerar um déficit (diferença entre receitas e despesas) estimado em mais de R$ 100 bilhões nas contas públicas em 2024.
A proposta, junto a duas outras já anunciadas – a taxação de investimentos nos exterior através de offshores e o fim do JCP (Juros Sobre Capital Próprio, uma modalidade de distribuição de lucros que permite às empresas pagarem menos impostos) –, antecipam pontos da segunda etapa da reforma tributária, que deve mexer com os impostos sobre renda e patrimônio.
A taxação dos fundos exclusivos deve servir, segundo o plano do governo, como compensação para o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para contribuintes que recebem até R$ 2.640 mensais, aprovada pelo Congresso e também sancionada por Lula nesta segunda-feira.
"Estamos falando de 2,4 mil fundos que envolvem patrimônio de R$ 800 bilhões", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista no fim de julho, sobre a taxação dos fundos exclusivos.
"É uma legislação anacrônica, que não faz sentido nenhum. Não é tomar nada de ninguém, é cobrar rendimento deste fundo, como qualquer trabalhador paga imposto de renda."
Segundo estimativas do Executivo, hoje 2,5 mil brasileiros contam com recursos aplicados em fundos exclusivos, que acumulam R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% dos fundos no país.
O governo também informou que encaminhou ao Congresso projeto de lei que prevê a tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior (offshore), com alíquotas progressivas de 0% a 22,5% e expectativa de arrecadação de cerca de R$ 20 bilhões até 2026.
"Os fundos abertos são como um clube em que todo mundo pode participar, basta comprar cotas desse clube e participar dos rendimentos que ele vai proporcionar", diz Michael Viriato, assessor na Casa do Investidor.
"Já o fundo exclusivo é como se fosse um clube fechado, que pertence a uma única pessoa ou grupo familiar", exemplifica o especialista em investimentos.
Desenhados sob medida, dependendo do perfil de risco e dos objetivos de rendimento do investidor, esses fundos são muito usados por famílias ricas em processos sucessórios.
Para um milionário transmitir uma herança, por exemplo, basta doar cotas do fundo para os herdeiros ainda em vida, evitando os custos e burocracias do processo de inventário.
No fundo exclusivo, há algumas restrições quanto ao número de aportes e resgates que o investidor pode fazer e quanto à periodicidade dessas retiradas.
Mas a grande vantagem desse tipo de fundo – antes da mudança agora proposta pelo governo – era a isenção do chamado "come-cotas", uma antecipação do Imposto de Renda cobrada semestralmente (normalmente em maio e novembro de cada ano) sobre os rendimentos, a uma alíquota de 15% para investimentos de curto prazo e 20% para os de longo prazo.
Sem a incidência do come-cotas, o investidor podia obter até 30% a 40% de retornos a mais do que teria em fundos com a cobrança do imposto, estima Viriato. Isso porque o valor que seria descontado na forma de tributo seguia rendendo no fundo, ampliando os ganhos.
Por exemplo, se uma pessoa investia R$ 10 milhões, com um rendimento de 12% ao ano, ela teria R$ 182 milhões após 30 anos num fundo com a cobrança de come-cotas, ou R$ 256 milhões num fundo isento, calculava o assessor financeiro.
Nos fundos exclusivos, o Imposto de Renda era cobrado apenas no momento do resgate e de forma regressiva, o que significava que, quanto maior o tempo de aplicação, menor a tributação.
A ideia do governo é igualar os fundos exclusivos aos demais fundos de investimentos. Com isso, os fundos dos "super-ricos" passarão a ter a cobrança periódica do come-cotas, de 15% a 20% sobre os rendimentos dos fundos.
Havia uma dúvida no mercado financeiro se a cobrança de impostos se daria também sobre os estoques – rendimentos passados, acumulados desde a criação desses fundos.
Uma fonte do governo havia antecipado no começo de agosto à BBC News Brasil que provavelmente os contribuintes teriam a opção de antecipar o pagamento do imposto sobre o estoque, a uma alíquota reduzida. Quem não quisesse, ficaria na sistemática antiga, pagando o imposto quando e se resgatar o investimento.
Nesta segunda-feira, o Palácio do Planalto confirmou a alíquota inferior, de 10%, para quem optar por regularizar os valores ainda neste ano.
Essa não é a primeira vez que o governo federal tenta tributar os fundos exclusivos.
Em 2017, o ex-presidente Michel Temer chegou a editar uma medida provisória instituindo a cobrança a cada deis meses do IR sobre os fundos dos super ricos. Mas a MP sofreu resistência do Congresso e acabou perdendo a validade.
A proposta também foi incluída pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, no projeto de reforma tributária enviado ao Congresso em 2021, mas não avançou.
A MP apresentada nesta segunda-feira tem efeito de lei, passando a valer assim que editada. Mas, para que a medida se torne uma legislação permanente, precisará passar por aprovação do Congresso em até 120 dias.
Especialistas veem com bons olhos a proposta de taxação dos fundos.
"Essa medida deveria ter sido aprovada há anos, não faz o menor sentido essa brecha que foi criada", diz Viriato, da Casa dos Investidores.
"Não é que eu seja a favor de tributar os mais ricos, é que foram criados dois veículos de investimentos similares [o fundo exclusivo e o fundo aberto] com impostos diferentes, não faz sentido algum", afirma o assessor de investimentos.
"De fato existem distorções, então realmente é uma medida que visa tornar mais igualitária a tributação da renda, mas acredito que essa medida e outras que estão sendo apresentadas pelo governo [na tributação de renda], como o fim do JCP, vão enfrentar resistência significativa no Congresso", diz Yihao Lin, economista na gestora de recursos Genial Investimentos.
O auditor fiscal Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Instituto Justiça Fiscal e coordenador da campanha "Tributar os Super-Ricos", acredita que será preciso vencer essa resistência para tornar o sistema tributário brasileiro mais progressivo – isto é, com ricos pagando mais impostos e pobres pagando menos.
Ele defende que, além das medidas já anunciadas pelo governo de mudanças na tributação da renda, são necessários outros avanços, como a taxação de dividendos e a criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), conforme previsto na Constituição.
"Sem ampliar a tributação dos mais ricos, fica muito difícil para o Estado conseguir reduzir os tributos sobre os mais pobres", diz o auditor fiscal.
"É preciso enfrentar a iniquidade do sistema tributário para conseguirmos resolver nossos problemas sociais históricos, enfrentar a desigualdade e promover o desenvolvimento econômico."